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30 Anos de Revolução Vascular: o início de uma nova era

Tulio Pinho Navarro – SETEMBRO/2020

No final do mês de agosto de 1990, o Dr. Juan Carlos Parodi recebeu um telefonema do presidente da Republica Argentina, Sr. Carlos Menen. Este o solicitou que avaliasse o seu primo tabagista, de 70 anos de idade, com doença pulmonar obstrutiva crônica acentuada, que apresentava um aneurisma de aorta abdominal com 6 cm de diâmetro e estava cursando com dor lombar significativa recente. O risco de ruptura era iminente. Os médicos que o assistiam disseram que ele não suportaria a cirurgia uma vez que apresentava doença pulmonar grave (FIGURA 1).

Dr. Parodi havia feito seu treinamento especializado na renomada Cleveland Clinic, em meados da década de 1970, no estado americano de Ohio, a meca da cirurgia cardiovascular à época. Lá se recebia presidentes e príncipes do mundo inteiro, inclusive o presidente brasileiro João Batista de Figueiredo que foi submetido a revascularização do miocárdio. Quando retornou a Argentina, Dr. Parodi iniciou pesquisas sobre uma idéia que havia tido durante a sua estadia nos Estados Unidos, justamente para tratar pacientes de alto risco, os quais apresentavam mortalidade elevada, mesmo no então maior centro de cirurgia mundial. Passou a realizar estudos experimentais em cães desde 1976, criando aneurismas em aortas caninas com prótese de poliéster (Dacron) em formato de aneurisma (FIGURAS 2 e 3).

Em paralelo, Julio Palmaz, outro cirurgião argentino, após se formar em La Plata e realizar treinamento em Radiologia Vascular, foi para os Estados Unidos em 1977 e posteriormente se tornou Chefe de Angiografia e Procedimentos Especiais no departamento de radiologia do Centro de Saúde e Ciência da Universidade do Texas em San Antonio (UTHSCSA) em 1983. Após assistir a uma palestra de Andreas Grutzing (inventor do balão de angioplastia, baseado no cateter balão de Thomas Fogarty) em 1978, teve a ideia de colocar um molde de metal no balão e criou o stent. Julio Palmaz recebeu a patente em 1985, cuja comercialização foi feita pela Johnson & Johnson.

Parodi uniu o stent de Julio Palmaz ao enxerto convencional de poliéster, com uma sutura do stent a extremidade superior da prótese vascular. Este conjunto era colocado em um introdutor de Teflon de 22F

Carlos Menen, conhecedor do trabalho de Parodi, o solicitou a opinar no caso acima.  Parodi realmente atestou que o paciente não suportaria a cirurgia convencional, que consistia de uma laparotomia xifo-púbica, abertura do retroperitônio com exposição da aorta e seus ramos distais e clampagem total da aorta infrarrenal, o que significava que a circulação seria interrompida por cerca de 40 a 60 minutos. Era um vulto de cirurgia que o paciente não toleraria. Estava diante de uma doença fatal, prestes a romper. A ruptura do aneurisma apresenta uma mortalidade próxima a 90%, se operado. O aneurisma de aorta é considerado o matador silencioso, responsável por um numero de mortes semelhante ao câncer de próstata e de útero. Além de ser a terceira causa de morte súbita.

Parodi explicou ao presidente e ao paciente que até então a sua técnica alternativa havia sido realizada somente em cães, nunca em um ser humano. Diante das possibilidades, paciente e presidente concordaram com a tentativa e assinou-se o termo de consentimento.

No dia seis de setembro de 1990, numa quinta-feira pela manhã, no Instituto Cardiovascular de Buenos Aires, ao norte dos bosques do bairro de Palermo, o Dr. Parodi realizou o procedimento sob anestesia epidural, com apenas uma incisão na virilha direita, para acessar a artéria femoral comum, juntamente com seus colegas Julio Palmaz e Hector Barone. Realizaram a angiografia intraoperatória para o psiocionamento.

O procedimento foi um sucesso, com exclusão completa do aneurisma. Realizou-se ainda uma angiografia neste paciente após 53 dias de pós-operatório, tendo demonstrado a manutenção da exclusão completa do aneurisma (FIGURA 6). O paciente sobreviveu por mais nove anos, vindo a falecer de câncer pancreático.

Neste mesmo dia, seis de setembro de 1991, realizou um segundo caso em uma mulher de 68 anos. Entretanto, houve uma falha em identificar a marca proximal do stent e inadvertidamente a endoprótese foi liberada 3 cm abaixo do planejado e a prótese de poliéster entrou totalmente na artéria ilíaca direita, com oclusão da ilíaca esquerda. Foi necessário realizar uma laparotomia e proceder a cirurgia convencional. Constatou-se durante a abertura da aorta, que o stent estava bem apropinquado a parede do vaso. Ao final, a paciente tolerou bem o procedimento e recebeu alta hospitalar após alguns dias.

No dia 11 de novembro de 1990, um paciente de 63 anos, após apresentar um acidente vascular encefálico há alguns dias, evoluiu com dor abdominal intensa e foi diagnosticado uma dissecção aguda de aorta abdominal com formação aneurismática. Neste dia, o paciente foi submetido ao implante da endoprótese com selamento proximal infrarrenal do sítio de entrada, sem utilização de stent distal. A dor cedeu no pós-operatório. No acompanhamento após sete meses evidenciou-se redução do diâmetro do aneurisma e oclusão da falsa luz.

No dia três d janeiro de 1991, outro paciente de 61 anos com aneurisma de 6,5 cm, porém assintomático, voluntariou-se para submeter-se ao tratamento, que foi realizado nesta data com sucesso. O acompanhamento após seis meses demonstrou a exclusão completa do aneurisma.

E em 26 de maio de 1991, um paciente de 62 anos que havia apresentado isquemia arterial aguda por embolização de trombos de um aneurisma abdominal de 3,5 cm foi também submetido com sucesso a exclusão do aneurisma. Após 3 meses de seguimento, o ecodoppler abdominal mostrou exclusão completa do aneurisma, sem novos episódios de embolização.

Parodi tinha certeza de que uma revolução havia começado. Confiante, juntou seus dados e foi apresentar em um congresso nos Estados Unidos no mesmo ano de 1991, onde encontrou vários de seus colegas. Entretanto, a reação a esta novidade não foi a esperada. O Vascular Stablishment reagiu muito negativamente, tendo questionado a ele o porquê de querer alterar um tratamento tão bem estabelecido desde os tempos de Dubost, o cirurgião francês que realizou a primeira exclusão bem-sucedida de um aneurisma de aorta abdominal em tempos modernos (1951). Técnica esta ainda aperfeiçoada por Michael DeBakey, entre outros. Mal o ouviram. Todas a grandes revistas médicas, em nome de seus editores, se recusaram a receber seu trabalho.

Durante a tentativa de expor suas novas ideias, um participante o observava atentamente. Após todo o imbróglio, este participante se aproximou de Parodi e disse-lhe que gostaria de conhecer melhor seu trabalho. Tratava-se do Dr. John J. Bergan, falecido em 2014, pioneiro do transplante renal e um dos responsáveis pela criação da especialidade de cirurgia vascular, ao separá-la da cirurgia geral e pela padronização da formação educacional em cirurgia vascular. Dr. Bergan entendeu o novo conceito e que, embora a técnica cirúrgica estivesse bem estabelecida para a correção do aneurisma de aorta, a proposta de Parodi poderia ajudar pacientes graves, com alto risco operatório. Como os editores das maiores revistas se recusaram a publicar o trabalho de Parodi, Dr. Bergan contatou seu parente, Dr. Ramon Buerger, Editor Chefe da revista Annals of Vascular Surgery, revista de menor fator de impacto.

Em Novembro de 1991 foi publicado o artigo Transfemoral intraluminal graft implantation for abdominal aortic aneurysms de autoria de Juan Parodi, Julio Palmaz e Hector Barone, na revista Annals of Vascular Surgery. Um marco na cirurgia vascular. O efeito foi de uma bomba de efeito silencioso e retardado. O mundo vascular ficou extremecido, porém o Vascular Stablishment prosseguia contra.

Em agosto de 1992, um homem de 76 anos com doença pulmonar obstrutiva crônica dependente de oxigênio, doença arterial coronariana e taquiarritmia ventricular recorrente, apresentou-se com aneurisma de aorta infrarrenal de 7,5 cm de diâmetro, doloroso e sensível a palpação no Hospital Montefiore, Bronx em Nova York. O Dr. Michael Marin foi solicitado a ver o paciente, e ele concordou com todos os consultores médicos que o risco era muito alto para qualquer forma de reparo cirúrgico aberto padrão. O Dr. Marin então ligou para o Dr. Frank Veith para discutir outras opções de tratamento, incluindo a possibilidade de um reparo com enxerto endovascular, que foi prontamente aceita como única opção. Ficou combinado que ambos os cirurgiões viajariam a Buenos Aires para aprender a técnica com Dr. Parodi, com o objetivo de retornar e realizar a correção por via endovascular em seu paciente. Entretanto, Dr. Parodi disse que naquele momento não haviam casos agendados. Por outro lado, ele faria uma palestra em um encontro de cardiologistas intervencionistas em Milwaukee. Ele sugeriu que os drs. Veith e Marin o encontrassem para discutir sobre o paciente e como o tratamento com enxerto endovascular poderia ser realizado. O Dr. Marin encontrou-se com  Dr. Parodi em Milwaukee com os exames do paciente e concordou-se que era um bom candidato para o reparo endovascular. Ficou acertado que seria melhor tratar o paciente em Nova York e que isso poderia ser realizado na época da reunião anual do Montefiore a ser realizada em novembro de 1992.

No entanto, várias problemas tiveram que ser superados. O primeiro era que a Johnson & Johnson, que havia adquirido os direitos das patentes de Parodi e Palmaz, teria que aprovar o uso de um grande stent Palmaz nos Estados Unidos, uma vez que este dispositivo investigacional não possuía liberação da Food and Drug Administration (FDA). O Dr. Veith então ligou para Paul Marshall, diretor de novos produtos da Johnson & Johnson Interventional Systems (J & JIS) para obter permissão para usar o grande stent Palmaz (P 5014). Marshall, um amigo de longa data do Dr. Veith,  disse que a J & JIS tinha sérias restrições em permitir que os drs. Parodi, Veith e Marin usassem o stent.  Ele temia que isso pudesse prejudicar a avaliação do FDA dos os stents coronários Palmaz-Schatz que estavam em processo de aprovação. Marshall disse que não poderia tomar uma decisão final para permitir que Parodi e seus colegas usassem nos Estados Unidos o stent grande semelhante ao fabricado na Argentina por Carlos Sommer. Veith então solicitou uma reunião com Marvin Woodall, presidente da J & JIS, para ver se ele poderia ser persuadido a permitir que se procedesse com o procedimento baseado em considerações compassivas. Uma reunião entre Marshall, Woodall, Veith e Marin ocorreu em um restaurante no Marriott Hotel adjacente ao Aeroporto de Newark, ao lado de Jersey City. Os funcionários da J & JIS estavam claramente relutantes em conceder a permissão por causa de suas preocupações legítimas de que tal uso pudesse prejudicar a aprovação iminente de seus stents coronários. No entanto, após uma conversa de 4 horas e descrições explícitas de preocupações com o bem-estar do paciente se ele não fosse tratado, os funcionários da J & JIS cederam e concordaram em permitir que o Dr. Parodi participasse do caso, embora tenham indicado que não poderiam fornecer o stent J & JIS. O Dr. Barone e o Sr. Sommer teriam que fornecer um que fosse semelhante.

Parodi solicitou ainda que os drs. Claudio Schonholz, um talentoso intervencionista com quem trabalhou, e Hector Barone, que estava montando vários componentes do sistema de enxerto endovascular, fossem trazidos a Nova York para participar do procedimento. Os fundos para trazer os três argentinos foram obtidos por meio de uma bolsa da Fundação James Hilton Manning e Emma Austin Manning.  Após a aprovação pelo conselho de ética do Hospital Montefiore, foi assinado o consentimento informado pelo paciente e sua esposa.

Quando se fala em hospitais nos Estados Unidos da América, pensa-se em instalações modernas, com todos equipamentos disponíveis. Entretanto, o Montefiore, embora vinculado ao Albert Einstein College of Medicine, se localiza no Bronx, uma região pobre de Nova York e, portanto, atendia a uma população de baixa renda. Desta forma, as instalações deste hospital à época não eram das mais modernas e bem equipadas. Houve dúvida por parte da equipe argentina quanto a viabilidade do procedimento naquelas condições.

No entanto, o procedimento foi realizado sob anestesia local em 23 de novembro de 1992. Os drs. Parodi e Schonholz, junto com os drs. Marin, Veith e Cynamon realizaram o procedimento, no qual uma prótese de políéster de 22 mm, suturada a um grande stent Palmaz, foi inserida por meio de uma arteriotomia femoral direita:

Usando um antigo equipamento de fluoroscopia digital para orientação, o enxerto foi posicionado e liberado na aorta proximal não aneurismática usando um balão para expandir o stent proximal. A exclusão do aneurisma foi demonstrada na arteriografia intraoperatória.

No pós-oeratório, a pulsação proeminente do aneurisma não estava mais presente e seus sintomas foram aliviados. A recuperação foi muito diferente da de uma cirurgia convencional:

O exame de tomografia computadorizada pós-procedimento e ultrassonografia duplex atestaram a exclusão do aneurisma. Ele teve alta alguns dias depois e permaneceu livre de sintomas até sucumbir às comorbidades cardiopulmonares, aproximadamente 9 meses após o procedimento.

Dr. Jonh J. Bergan escreveu muitos anos antes desta técnica sobrepujar a cirurgia convencional, um comentário na primeira publicação do Dr. Parodi: “Já foi dito que a essência da grande arte é a simplificação… Dr. Parodi e equipe simplificaram a cirurgia da aorta. Previsivelmente, este procedimento será oferecido inicialmente a pacientes com risco proibitivo a cirurgia convencional de aorta. À medida que a experiência aumentar, será oferecida a pacientes com bom risco cirúrgico… Durante este tempo, complicações irão ocorrer… Todo procedimento intervencionista tem suas próprias complicações. Oposição ao procedimento será feita. Em cirurgia vascular não ocorreu nenhuma mudança para melhor sem a qual homens sábios e bons não se opuseram. Agora que essa barreira inicial foi vencida, novas aplicações, incluindo o bypass distal transluminal, são previsíveis. Essa mudança é inevitável. É, como disse Thoreau:  “… um milagre a contemplar; mas é um milagre que está acontecendo a cada minuto.””

Após a realização deste procedimento no país mais rico do mundo e hegemônico àquela época, uma vez que a guerra fria havia terminado, a técnica se difundiu. Dr. Parodi e equipe foram convidados a viajar o mundo inteiro para ensinar e demonstrar esta enorme mudança de paradigma no universo vascular. O reticente Vascular Stablishment cedeu. Uma nova era foi inaugurada. Evoluímos para as próteses bifurcadas, fenestradas, ramificadas e para a aorta torácica, incluindo o arco aórtico e a aorta ascendente. O Universo Vascular nunca mais foi o mesmo. 

 

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